sexta-feira, 13 de março de 2009

Crítica: “Entre os Muros da Escola”, de Laurent Cantet

o trailer do filme

Este é o sétimo filme do cineasta francês Laurent Cantet, mas o único de sua filmografia premiado com o César 2009 (Melhor Roteiro Adaptado), o “Oscar” do cinema da França. “Entre os Muros da Escola” (Entre Les Murs) foi o vencedor do Festival de Cannes 2008 com a Palma de Ouro de Melhor Filme e estreou nesta sexta, 13/03. O próprio diretor veio ao Brasil para lançá-lo. Até então, o filme mais premiado de Cantet era “Recursos Humanos”, de 1999. São mais de duas horas de filme, é longo, mas não cansativo, pois ele tem muito para contar. Imagina-se o que foi retirado na montagem final.

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Dentro de seus 124 minutos, Laurent Cantet e suas três câmeras no ombro, trepidantes, nervosas, ágeis, atentas (a direção de fotografia é de Pierre Milon, a montagem de Robin Campillo) mostram quase em ritmo de documentário o dia-a-dia de um professor e seus alunos, em nove longos meses dentro de uma sala de aula multicultural num subúrbio de Paris. O filme é um retrato da França de hoje, em todas as suas contradições étnicas e de imigração. Basta lembrarmos o ano de 2005, quando mais de 500 carros foram queimados nos subúrbios parisienses, e que chamaram a atenção da mídia mundial graças a conflitos de rua, ataques e passeatas.

François Bégaudeau, ator e professor, roteirista do filme

O roteiro do filme (Laurent Cantet, François Bégaudeau, Robin Campillo) foi baseado no livro escrito pelo professor François Bégaudeau, que praticamente interpreta a si mesmo, na pele de François Marin, um professor de Francês. Todos no filme têm os nomes de seus atores, na vida real. Foi necessário, pois Cantet não utilizou em nenhum momento atores profissionais. Os adolescentes que compõem a classe secundarista do colégio parisiense têm realmente as suas etnias (seja chinesa, malinesa, marroquina, etc.) e esses jovens foram preparados especialmente para o filme (muito bem, por sinal, os adolescentes são ótimos) e a câmera passeia por eles como se ela não estivesse presente. Como se nós fôssemos uma mosca em sala-de-aula, observando tudo e todos os movimentos.
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Assim que começa, o filme segue de imediato as ações do professor Marin, em sua chegada para mais um ano letivo. Os novos colegas se apresentam na sala dos professores, em seguida têm seu primeiro contato com os alunos nas suas salas-de-aula (sempre adolescentes em situação de vulnerabilidade social, na França atual) e logo em seguida têm o seu primeiro almoço e o contato com o diretor da instituição. “Entre os Muros da Escola” gira em torno desses ambientes, a câmera praticamente não sai mais de sua delimitação. E a partir daí vamos acompanhar a turma de Marin.
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À medida que o filme avança, vamos conhecendo cada um dos alunos complicados do astuto professor, que sempre tem uma palavra na ponta da língua para enfrentar as insolências, usando mais a esperteza do que a violência das palavras. Ele tem uma coisa em mente: impor a disciplina. Os adolescentes começam a provocá-lo de todas as formas, o público começa a assistir a um embate em que ambos os lados têm suas razões, mas simplesmente são incapazes de dialogar, se bem que Marin tenta ao máximo. Um de seus pontos de contato é quando ele começa a fazer seus alunos perceberem que são múltiplos, que cada um tem suas histórias, mesmo com 13, 14, 15 anos de idade.

a sala-de-aula multiétnica. A França vista pelos jovens

Ele utiliza "O Diário de Anne Frank" sabidamente para seus propósitos - ao lerem a história de uma adolescente e sua família perseguidas (na II Guerra Mundial) por serem o "fator diferente", Marin pretende ir a fundo na questão étnica francesa, falando dos mundos de cada um, suas percepções e pontos de choque. No entanto, seus limites como professor são testados à exaustão pelos alunos. Boa parte dos desentendimentos dos alunos (entre eles mesmos e com o professor, por extensão) se deve à própria situação social complicada em que vivem, num mundo em que eles são preteridos por não serem europeus – ou mais ainda, por não serem franceses. Outro fator é o idioma, que é incompreensível a muitos, pois que forçado, pois que utilizado para a mínima sobrevivência num meio que lhes é hostil. Para estes alunos de Marin, a França não é paradisíaca. Tampouco Paris.
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As discussões da sala dos professores e do Conselho de Classe sobre disciplina, as parcas histórias pessoais que vão aparecendo, muito esporadicamente (o professor que perde a paciência com sua sala de aula e explode num desabafo para os colegas, a professora que engravida), são temas que povoam esses meses em que Marin criteriosamente procura uma forma de diálogo, uma aproximação com o mundo de seus alunos, entendendo seus limites como ninguém. Há uma cena em que um professor de História idealiza uma atividade multidisciplinar com Marin, mas o professor de Francês sabe que os livros e os temas que o colega sugere são demais para a cabeça de seus pupilos. Os limites são bem colocados, concordamos com Marin. E ele anota cada um de seus passos, está sempre sozinho, a escrever. Sua vida pessoal não nos interessa, o que ele faz dentro da sala-de-aula é uma questão de comunicação humana.

Laurent Cantet, o diretor, e sua Palme d'Or 2008

Um incidente (que não vamos contar qual é) vai lançar um desafio, na segunda metade do filme, para o dia-a-dia profissional de Marin, no momento em que o Conselho de Classe passa a discutir questões sobre a disciplina de um aluno específico, africano, e é nesse instante em que a platéia não tira os olhos da tela. Todos os meios possíveis e imaginários são colocados em pauta pela equipe de professores para resolver uma questão que mais envolve aspectos que nem mesmo aquele colégio é capaz de resolver – o que acaba sendo a contrapartida ao espelho de uma França dividida sociologicamente. “Entre os Muros da Escola” é um bom ponto de crítica para levantar essas questões. A diferença básica é que no Brasil pode-se até usar o filme para discutir a questão francesa. Nosso caldeirão sócio-cultural ainda não chegou a esse nível de coisas. Não diante das câmeras de TV do mundo inteiro, e nem tão bem narrado como nesse atento filme europeu. São pontos a ponderar, sem dúvida.
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(Ruy Jobim Neto)

Um comentário:

  1. Apreciei a leitura, Ruy Jobim!!!
    Vim retribuir a visita de Adélia Carvalho e aproveitei para deixar um recado a ela, na "postagem": "Os Maias": Obra-Prima da televisão.
    Beijares e abraçares

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