segunda-feira, 15 de junho de 2009

Selton Mello é o filme

Amandaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!!!!!!!!

Maria Manoella, Selton Mello e Fernanda Torres

Assim berra Pedro, personagem de Selton Mello em "A Mulher Invisível", deliciosa comédia de Claudio Torres que aportou nesta última semana em nossas salas. Da edição sonora inteligente e divertida, à montagem viva que mais lembra "Os Aspones", às caras de Selton enlouquecendo a platéia de tanto nos fazer rir e o elenco.

Luana Piovani, é, não se espera muito dela. Amanda, a gostosa do andar, é uma vizinha quase perceptível, não fosse ela invisível aos olhos comuns. Somente Pedro a vê, e por ela se apaixona. O personagem de Luana diverte, mas antes disso, tem uma curva legal, ela se transforma.

Vladimir Brichta faz o melhor amigo de Pedro, o canalha simpático que também sofre uma transformação, mas enquanto essa transformação não rola, a gente se diverte com o que apronta Pedro nas mais diversas situações a bordo de sua namorada, noiva, sei lá, enfim, a invisível.

Luana, a mulher que aparece

O trailer é hilário e já antecipa as melhores piadas do filme. A platéia vem abaixo com as caras de Selton, as filigranas de sua interpretação, o jogo de corpo onde ele contracena sozinho, quase um bailado cômico. Digno dos grandes comediantes. Selton exibe o preciosismo de seu timing. E a platéia adora.



Mas é em Maria Manoella, atriz de teatro e de registro mais dramático, que está a surpresa, na primeira incursão dela numa comédia romântica. E está bem! Ela encanta! Ela estreou em Cinema no filme "Lara" e também esteve ano passado na telona no papel de Magali em "Nossa Vida Não Cabe Num Opala", versão do roteirista Di Moretti para a peça original de Mario Bortolotto, "Nossa Vida Não Vale um Chevrolet".

Maria Manoella é um encanto, e pessoalmente tem uma timidez, ela exibe uma doce sensualidade comedida, mas que no palco se solta e faz maravilhas com Leite Moça, como no caso de sua cantora sem voz de "O Natimorto" (peça dirigida por Bortolotto, em que ela contracena com Nilton Bicudo).

A platéia chega a comentar sobre ela: "ela é estranhamente linda". Uma bela definição. Ela faz a vizinha apaixonada que ouve a vida de seu amado Pedro através da parede de sua cozinha, que dá para a sala do herói. Aliás, anti-herói. E que anti-herói.

"A Mulher Invisível" conta com roteiro de Claudio Torres, Adriana Falcão, Claudio Paiva e Maria Luisa Mendonça (que engata ainda no papel da ex-esposa de Pedro, que deixa ele numa hilária cena inicial, o que provoca todo o furacão na vida dele).

Selton, num papel à altura

Enfim, Selton Mello é o filme, a película de Claudio Torres (que escalou a própria irmã, Fernanda Torres, para ser a irmã de Vitória, personagem de Maria Manoella) tem agilidade, tem o pique certo, está bem contadinha e segue sendo um belo exemplar do bom cinema comercial que o Brasil também tem que produzir. O filme tem distribuição da Warner, e co-produção da Conspiração Filmes, da Globo Filmes e da Lereby (de Daniel Filho).

Pra desopilar o fígado. E morrer de orgulho desse bom cinema. E dá-lhe Selton!

terça-feira, 31 de março de 2009

O belíssimo "Segredos Íntimos", de Israel

cena de "Segredos Íntimos", de Avi Nesher

Atentem para esses nomes: Ania Bukstein e Michal Shtamler. São duas lindíssimas atrizes da atual geração do teatro israelense e que estrelam este belo achado que é “Segredos Íntimos” (The Secrets), o delicioso filme do premiado diretor Avi Nesher, Na película, as duas atrizes contracenam com uma das grandes divas do cinema francês, a atriz Fanny Ardant. O tema – sexo, transgressão e tradição diante da cultura judaica ortodoxa.

as atrizes Ania Bukstein (esq.) e Michal Shtamler (dir.)

Apoiado em delicado roteiro da dramaturga britânica Hadar Galron (que tem a convivência tanto européia quanto com Israel, tendo nascido numa família judia ortodoxa), o filme tem um olhar de dentro e o diretor Avi Nesher (que já trabalhou em Hollywood, com Dino di Laurentiis e sua filha Rafaela di Laurentiis) tem a oportunidade de colocar a sociedade patriarcal de Israel de cabeça pra baixo.

a atriz moscovita Ania Bukstein

A estória começa em Tel Aviv, na casa de Naomi (a absurdamente linda atriz Ania Bukstein, nascida em Moscou, e que já participou anteriormente de outros oito filmes). Há o velório da mãe dela. O pai, um rabi viúvo e a irmã (genitora de várias crianças) seguem à risca a tradição. Naomi está noiva e tem dúvidas. Pede para o pai que a remeta a Safed (uma das quatro cidades sagradas de Israel e berço do misticismo da Kabala judaica), para um seminário de meninas, ao menos por um tempo. Ela vai.

as alunas do seminário de Safed

Na viagem e no seminário, Naomi vai conhecer suas futuras colegas, entre elas Michelle (Michal Shtamler, em seu primeiro papel no cinema), que irá mudar sua vida para sempre. Michelle vem da Europa, fala francês e tem vivência com rapazes, com a sedução, coisa que para Naomi é complicado. O posicionamento religioso da mulher dentro do mundo ortodoxo judeu é colocado á prova em seus limites. É como se perguntar: por que uma mulher não pode ser uma rabina? O filme tem a dose certa de encanto, mistério, humor e drama. Funciona plenamente, com todos os segredos que vão sendo desvelados aos poucos.

Avi Nesher dirigindo as atrizes Fanny Ardant e Ania Bukstein

Nisso, ambas conhecem uma mulher, Anouk (Fanny Ardant), tida como assassina de um pintor, na França. A partir daí, o mundo das duas garotas vira do avesso. Nesse meio tempo, Naomi vai descobrir o amor. Ainda que de outra ordem. É interessantíssimo, pleno de emoções, nem um pouco piegas. As meninas são muito carismáticas, elas conduzem o filme com uma delicadeza feminina embutida de alguma forma num mundo (o judaico ortodoxo) onde um passo além da tradição beira quase a heresia.

Michal e Ania, em outra cena do filme

Sobre o filme, navegue no site (o menu contém as lindas musicas e canções do filme, tem explicações sobre os termos judaicos que aparecem na história e tem três vídeos de entrevistas com as protagonistas, o diretor e a roteirista). Mas sobretudo, anote os nomes das lindas e talentosas Ania Bukstein e Michal Shtamler. Veja o trailer abaixo:

trailer de "Segredos Íntimos"

Além disso, em suas duas horas de exibição, "Segredos Íntimos" nos proporciona igualmente o prazer de (re)ver esse grande nome da sétima arte francesa, Fanny Ardant, falando em francês (com Michelle) e arriscando também um hebraico. Shalom.

cena do casamento de "Segredos Íntimos"

Ruy Jobim Neto

"Domingos", documentário de Maria Ribeiro

A atriz-documentarista Maria Ribeiro e Domingos de Oliveira

Maria Ribeiro é belíssima, é pequenina e estava toda de amarelo. Ela fica menor ainda perto do altíssimo diretor do Festival “Tudo é Verdade”, Amir Labaki. Era a primeira noite paulista de exibição do longa-metragem “Domingos”, um delicioso documentário de 72 minutos sobre a vida e a obra do diretor Domingos de Oliveira, criador de “Juventude”, “Feminices”, “Amores”, “Separações” e outros filmes.
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O saguão do CineSesc, nesta noite de segunda-feira, 30/03, estava tomado e reunia pessoas como o diretor da Mostra Internacional de Cinema, Leon Cakoff, e o cartunista Jozz. Mas a noite era mesmo de Maria Ribeiro e do seu homenageado, Domingos de Oliveira. Ambos vieram com Priscilla Rozenbaum, do Rio, e Domingos engatou a leitura de um e-mail em que elogia a documentarista em seu primeiro (e bem sucedido) filme. A platéia ovacionou, no final da projeção, aplaudiu por um bom tempo.
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No filme, Domingos fala das mulheres que amou, da filha, dos filmes e da fantasia do teatro. Leva a platéia a deliciosas risadas com suas frases feitas, seus conceitos sobre a morte, Deus, a vida. Leila Diniz, mulher que ele (e o Brasil inteiro) amou, trechos de filmes, os cinco casamentos (o atual, com a atriz Priscilla Rozenbaum, com quem está casado há 25 anos e que ganhou o Kikito de Melhor Atriz no Festival de Gramado pelo filme “Carreiras”, dirigida por Domingos), tudo é rememorado, relativizado, comemorado pelo diretor e roteirista de episódios de “Caso Especial”, da TV Globo nos anos 70 - como “Somos Todos do Jardim da Infância”, título de uma de suas peças teatrais.
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Ele é tido, erroneamente, como “o Woody Allen brasileiro”, e fala dos cineastas do Cinema Novo, que achavam seu cinema totalmente alienado. Domingos cita suas influências – Jean-Luc Godard (pela liberdade do corte, da câmera, do roteiro, de não filmar planos de cobertura) e François Truffaut (pelo uso de música clássica em cenas cotidianas).



Na tela, estão desde Paulo José (ator de “Todas as Mulheres do Mundo”), a filha Maria Mariana (a autora, com Patricia Perrone, do livro “Confissões de Adolescente” que Domingos adaptou para o teatro e depois virou série televisiva), imagens de Leila Diniz e Joana Fomm e Isabel Ribeiro nos filmes, festas de aniversários, a neta, Priscila e amigos (entre eles, além de Fernanda Torres e Pedro Cardoso, está o escritor João Ubaldo Ribeiro - com quem Domingos divide um divertido "What a Wonderful World", os dois imitando Louis Armstrong), com direito a canjas de Letícia Sabatella e Carolina Dieckmann, cantando afinadinhas ao microfone, cada uma em seu momento. Belo filme, tomara que percorra o circuito comercial. Muita música boa, de Gershwin a Irving Berlin, belas cenas, com olhar intimista e atento. "Domingos" resulta, assim, numa película feita com extremo cuidado, carinho, alguma predisposição para o improviso (um dos dois diretores de fotografia é Lula Carvalho) e muito amor pelo biografado, um inveterado amante da vida. Maria Ribeiro está de parabéns. Aplausos pra ela!

Ruy Jobim Neto

quarta-feira, 25 de março de 2009

"Looking for Richard", de Al Pacino

Uma aula de Teatro.
Uma aula de Cinema.
Uma aula de Shakespeare.



E um grande elenco.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Crítica: “Entre os Muros da Escola”, de Laurent Cantet

o trailer do filme

Este é o sétimo filme do cineasta francês Laurent Cantet, mas o único de sua filmografia premiado com o César 2009 (Melhor Roteiro Adaptado), o “Oscar” do cinema da França. “Entre os Muros da Escola” (Entre Les Murs) foi o vencedor do Festival de Cannes 2008 com a Palma de Ouro de Melhor Filme e estreou nesta sexta, 13/03. O próprio diretor veio ao Brasil para lançá-lo. Até então, o filme mais premiado de Cantet era “Recursos Humanos”, de 1999. São mais de duas horas de filme, é longo, mas não cansativo, pois ele tem muito para contar. Imagina-se o que foi retirado na montagem final.

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Dentro de seus 124 minutos, Laurent Cantet e suas três câmeras no ombro, trepidantes, nervosas, ágeis, atentas (a direção de fotografia é de Pierre Milon, a montagem de Robin Campillo) mostram quase em ritmo de documentário o dia-a-dia de um professor e seus alunos, em nove longos meses dentro de uma sala de aula multicultural num subúrbio de Paris. O filme é um retrato da França de hoje, em todas as suas contradições étnicas e de imigração. Basta lembrarmos o ano de 2005, quando mais de 500 carros foram queimados nos subúrbios parisienses, e que chamaram a atenção da mídia mundial graças a conflitos de rua, ataques e passeatas.

François Bégaudeau, ator e professor, roteirista do filme

O roteiro do filme (Laurent Cantet, François Bégaudeau, Robin Campillo) foi baseado no livro escrito pelo professor François Bégaudeau, que praticamente interpreta a si mesmo, na pele de François Marin, um professor de Francês. Todos no filme têm os nomes de seus atores, na vida real. Foi necessário, pois Cantet não utilizou em nenhum momento atores profissionais. Os adolescentes que compõem a classe secundarista do colégio parisiense têm realmente as suas etnias (seja chinesa, malinesa, marroquina, etc.) e esses jovens foram preparados especialmente para o filme (muito bem, por sinal, os adolescentes são ótimos) e a câmera passeia por eles como se ela não estivesse presente. Como se nós fôssemos uma mosca em sala-de-aula, observando tudo e todos os movimentos.
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Assim que começa, o filme segue de imediato as ações do professor Marin, em sua chegada para mais um ano letivo. Os novos colegas se apresentam na sala dos professores, em seguida têm seu primeiro contato com os alunos nas suas salas-de-aula (sempre adolescentes em situação de vulnerabilidade social, na França atual) e logo em seguida têm o seu primeiro almoço e o contato com o diretor da instituição. “Entre os Muros da Escola” gira em torno desses ambientes, a câmera praticamente não sai mais de sua delimitação. E a partir daí vamos acompanhar a turma de Marin.
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À medida que o filme avança, vamos conhecendo cada um dos alunos complicados do astuto professor, que sempre tem uma palavra na ponta da língua para enfrentar as insolências, usando mais a esperteza do que a violência das palavras. Ele tem uma coisa em mente: impor a disciplina. Os adolescentes começam a provocá-lo de todas as formas, o público começa a assistir a um embate em que ambos os lados têm suas razões, mas simplesmente são incapazes de dialogar, se bem que Marin tenta ao máximo. Um de seus pontos de contato é quando ele começa a fazer seus alunos perceberem que são múltiplos, que cada um tem suas histórias, mesmo com 13, 14, 15 anos de idade.

a sala-de-aula multiétnica. A França vista pelos jovens

Ele utiliza "O Diário de Anne Frank" sabidamente para seus propósitos - ao lerem a história de uma adolescente e sua família perseguidas (na II Guerra Mundial) por serem o "fator diferente", Marin pretende ir a fundo na questão étnica francesa, falando dos mundos de cada um, suas percepções e pontos de choque. No entanto, seus limites como professor são testados à exaustão pelos alunos. Boa parte dos desentendimentos dos alunos (entre eles mesmos e com o professor, por extensão) se deve à própria situação social complicada em que vivem, num mundo em que eles são preteridos por não serem europeus – ou mais ainda, por não serem franceses. Outro fator é o idioma, que é incompreensível a muitos, pois que forçado, pois que utilizado para a mínima sobrevivência num meio que lhes é hostil. Para estes alunos de Marin, a França não é paradisíaca. Tampouco Paris.
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As discussões da sala dos professores e do Conselho de Classe sobre disciplina, as parcas histórias pessoais que vão aparecendo, muito esporadicamente (o professor que perde a paciência com sua sala de aula e explode num desabafo para os colegas, a professora que engravida), são temas que povoam esses meses em que Marin criteriosamente procura uma forma de diálogo, uma aproximação com o mundo de seus alunos, entendendo seus limites como ninguém. Há uma cena em que um professor de História idealiza uma atividade multidisciplinar com Marin, mas o professor de Francês sabe que os livros e os temas que o colega sugere são demais para a cabeça de seus pupilos. Os limites são bem colocados, concordamos com Marin. E ele anota cada um de seus passos, está sempre sozinho, a escrever. Sua vida pessoal não nos interessa, o que ele faz dentro da sala-de-aula é uma questão de comunicação humana.

Laurent Cantet, o diretor, e sua Palme d'Or 2008

Um incidente (que não vamos contar qual é) vai lançar um desafio, na segunda metade do filme, para o dia-a-dia profissional de Marin, no momento em que o Conselho de Classe passa a discutir questões sobre a disciplina de um aluno específico, africano, e é nesse instante em que a platéia não tira os olhos da tela. Todos os meios possíveis e imaginários são colocados em pauta pela equipe de professores para resolver uma questão que mais envolve aspectos que nem mesmo aquele colégio é capaz de resolver – o que acaba sendo a contrapartida ao espelho de uma França dividida sociologicamente. “Entre os Muros da Escola” é um bom ponto de crítica para levantar essas questões. A diferença básica é que no Brasil pode-se até usar o filme para discutir a questão francesa. Nosso caldeirão sócio-cultural ainda não chegou a esse nível de coisas. Não diante das câmeras de TV do mundo inteiro, e nem tão bem narrado como nesse atento filme europeu. São pontos a ponderar, sem dúvida.
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(Ruy Jobim Neto)

bastidores:"Luz nas Trevas - A Revolta de Luz Vermelha"

Gualberto Costa enquadrando o Luz Vermelha (BANG!)

Ao chegar em plena segunda-feira à noite na Praça Roosevelt (Centro de São Paulo), no dia mais conhecidamente atípico daquele rincão de seis teatros (que em breve se tornarão sete), algo se avizinha no ar. Teremos mais uma filmagem, desta vez nas dependências da HQ Mix Livraria, de Gualberto Costa e Daniela Baptista. Carros da CET estão a postos, vans chegam e se vão, cordões e cones de isolamento deixam a livraria livre de algum automóvel estacionado na frente. O longa-metragem em questão é a continuação da história do bandido João Acácio Pereira da Costa (1942 - 1998), que se celebrizou no filme “O Bandido da Luz Vermelha”, dirigido em 1968 pelo falecido cineasta Rogério Sganzerla (1946 -2004). O roteiro deste novo filme é da lavra do próprio Sganzerla. No primeiro e clássico filme, o diretor contava com apenas 22 anos.

Acontece que essa continuação, que se chama “Luz nas Trevas – A Revolta de Luz Vermelha” já ganhou ares mais modernos. Uma das diferenças - ele começa por ser a cores, o primeiro era em preto-e-branco. Quem agora cuida da direção de fotografia é o experiente José Roberto Eliezer, chamado “Zé Bob”, e a direção é dividida entre a estrela do filme original - viúva de Sganzerla e musa do Cinema Marginal paulista (o famoso “udigrudi”) - , a simpática atriz baiana Helena Ignez, e o cineasta Ícaro Martins (de “O Olho Mágico do Amor” e “A Estrela Nua”, ambos com Carla Camuratti no elenco). De acordo com Helena, o filme novo tem linguagem pop, dialoga com os anos 60 e utiliza flashbacks. Será criativo, um filme de invenção, de caos, assegura a diretora, também atriz do elenco deste e do primeiro longa. Cenas como a da livraria são rodadas em 16mm, algumas tomadas aéreas e panorâmicas são feitas em 35mm.

Era noite de lua cheia no céu paulistano. Os dois caminhões da Loc-All estavam a postos para quando a equipe viesse do hotel (onde estavam rodando uma cena) para a Praça Roosevelt. Todos os detalhes e cuidados eram necessários. Isso já ia passando da meia-noite, para um horário previamente combinado de filmagem que seria, segundo os cronogramas originais, no finzinho da tarde, e que foi realocado para “da meia-noite às quatro”, segundo Daniela Baptista. Tudo pelo Cinema Nacional - até o cafezinho, com mesinha de frutas e biscoitos, muito bem anunciado pela atenta Paula, produtora de set. A espera em Cinema é o ofício do ator, como uma vez disse Maitê Proença nas filmagens de “A Dama do Cine Shanghai” (aliás, um detalhe: este filme dirigido por Guilherme de Almeida Prado, com Maitê Proença e Antonio Fagundes, também teve a foto de José Roberto Eliezer, doravante Zé Bob). E dá-lhe espera.

o cartaz original do filme de 1968

À medida que a diretora ia chegando e parte da equipe estava se alimentando num bar-restaurante da Roosevelt, entre os poucos locais abertos na Praça, a equipe de iluminação já dava os últimos retoques colocando gelatinas vermelhas e âmbar nas luzes originais no teto da livraria. Estavam por ali dois holofotes acesos, cada um de um lado da porta, além de um HMI que entraria em cena quando a equipe principal chegasse. Havia ainda um terceiro refletor de luz no platô da Praça Roosevelt, no alto, do outro lado da rua, protegido por um guarda-chuvas.

O diretor de arte do filme, Fábio, estava dando os últimos retoques na vitrine da loja, dispondo livros e mais livros do lançamento fictício bem na frente. Um Elvis Presley todo iluminado foi conseguido do restaurante próximo, o conhecido PPP (Pinga, Papo & Petisco), graças ao dono da casa, o Doca (“o homem que parou a Rede Tupi”). A produtora Paula estava preocupada se nós poderíamos fazer alguma entrevista com os cineastas antes dos trabalhos ou depois, mas este colunista a tranqüilizou, dizendo que tem noção de como a coisa se procede, e de que o filme é a prioridade. A coisa já estava muito atrasada, segundo a produtora, por causa do atraso de uma atriz à cena do hotel. Então, o fotógrafo André Bogdan foi clicando o que era possível. Não tivemos fotos da filmagem acontecendo.

a direção de arte em ação, para o filme de 2009

Todos os comentários e perguntas para quem esperava diante da livraria, era se Ney Matogrosso estaria ali, naquela noite. Explica-se: Ney está emprestando seus dotes de ator ao filme (como já fez algumas vezes no Cinema Brasileiro, em curtas e longas), para desta vez encarnar exatamente João Acácio, o Bandido da Luz Vermelha. Segundo consta ou, melhor, o que relataram membros da equipe, as cenas com Ney se restringem à prisão, até onde sabemos. Além de Ney, estão no elenco Sandra Corveloni (Palma de Ouro em Cannes 2008 por “Linha de Passe”), Maria Luisa Mendonça, Sérgio Mamberti, Simone Spoladore, Bruna Lombardi e Arrigo Barnabé. Aliás, o dramaturgo Mário Bortolotto mais uma vez aparecerá diante das câmeras, desta vez compondo uma dupla de detetives, exatamente com Arrigo Barnabé, interpretando dois pesos-pesados que arrebentam tudo o que encontram pela frente, à base da mais pura pancadaria. Outros nomes do elenco são Ariclenes Barroso, André Guerreiro Lopes, Guilherme Marback e Raissa Peniche.

Gualberto e Daniela, a bordo de suas filhas Morena e Gaia, estavam esperando chegar o contingente de extras e figurantes, o que parecia impossível reunir numa noite de segunda, costumeiro dia de descanso para atores e com o Parlapatões, típico local de encontro da Roosevelt, em dia de folga e a portas fechadas. O contingente se formou como que por encanto. A livraria estava, no meio da madrugada, sendo palco de mais um lançamento de livros, desta vez fictício, de um volume da Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado, com o roteiro completo do clássico “O Bandido da Luz Vermelha”. Na mesinha de autógrafos, estará sentada Djin Sganzerla (ela fez a cena toda de vermelho, a propósito do personagem rubro). Djin é atriz do filme e também uma das duas filhas do casal Helena Ignez e Rogério Sganzerla. Na fila dos compradores do livro, entre atores profissionais e não-profissionais, encontravam-se os próprios Gualberto e Daniela, as filhas Morena e Gaia, além do caricaturista Ricardo Soares.

mais uns retoques na vitrine do set de filmagem

Quando Zé Bob chega na área, adentrando o set (a livraria), os olhos do experiente diretor de fotografia já analisam tudo. Parte da cenografia teve que ser rearranjada, mas sem muita firula. Tinha que filmar e pronto. Ao menos duas câmeras estavam dentro da HQ Mix, numa cena que incluía o lançamento do livro – propriamente dito – e o roubo de um exemplar da própria estante. A maquiadora verificou não ter base para tantos figurantes. A segunda assistente de câmera, atentíssima, vinha imediatamente colocar mais rolo de filme dentro do chassi, com suas mãozinhas hábeis enfiadas num saco plástico completamente vedado contra a luz. Iniciada a filmagem, a ordem era silêncio! Ainda não se é possível atinar por que falam “gravando” quando na verdade estão “rodando” um filme em 16mm, mas tudo bem, as pessoas se entendem e isso é o que importa. Câmera, som, ação! A cena da entrada do ladrãozinho, ator, aliás, muito elogiado pelo Zé Bob, foi repetida algumas vezes, já que era necessária toda uma coreografia da figuração.

A propósito: José Roberto Eliezer (o Zé Bob) trabalhou com cineastas como Nelson Pereira dos Santos (no filme Na Estrada da Vida), Bruno Barreto (em Caixa Dois), Walter Salles (em A Grande Arte), Heitor Dhalia (em Nina e O Cheiro do Ralo), Roberto Santos (em As Três Mortes de Solano), Carlos Reichenbach (em Filme Demência), Paulo Betti (em Cafundó) e Daniel Filho (em A Dona da História e Se Eu Fosse Você), entre diversos outros, praticamente desde o final da década de 70. Nos anos 80, o nome de José Roberto já era reverenciado nas rodas de conversas sobre Cinema. Principalmente na famosa fase da chamada “ditadura da direção de fotografia”, da qual ele participou ativamente – trabalhando para diretores como Wilson Barros (no longa Anjos da Noite) e Chico Botelho (em Janete e Cidade Oculta). Mas enfim, a presença de um diretor de fotografia desse quilate dá ao set um ar de majestade. E Zé Bob descontrai, brinca com a equipe, conversa com todos em plena madrugada de lua cheia. Felizmente não choveu em São Paulo.

o cenário, como ficou, à espera do elenco e da equipe de filmagem

Kelly, da produção, perguntou ao colunista se ele não queria estar dentro da livraria, com os demais figurantes. Como disse anteriormente, assistir à parafernália acontecendo do lado de fora era muito mais interessante. E foi mesmo. Chega um momento em que os relógios celulares desligados fazem todos esquecerem que horas são. Ou que horas poderiam ser. Tudo em nome da fantasia. Alguns mendigos passam pelo local, na calçada, falando alto, alguns outros transeuntes são barrados momentaneamente por alguém da produção. De longe, eram ouvidos os caminhões e ônibus na noite paulistana, em alta velocidade, na Rua Xavier de Toledo. Mas nada interrompeu o Cinema Nacional.

Ao final dos trabalhos, todos se despedem, aplausos dentro da livraria. Era quase quatro da manhã em São Paulo. O livro foi devolvido gentilmente pelo ator, que se divertiu bastante e fez todos se divertirem nas imagens que puderam ser vistas pelo vídeo assist. Roteiro do dia seguinte distribuído para todos pelo assistente de direção, e os diretores Ícaro Martins e Helena Ignez se despedem. Djin Sganzerla também se vai, e o dia seguinte é afinal deixado para o dia seguinte. Kelly informa a este colunista que já estavam filmando há duas semanas, e que haveria ao menos um mês e alguma coisa para terminar os trabalhos. As equipes que chegaram primeiro, a dos técnicos de luz, desligaram os spots todos, tiraram as gelatinas da livraria. E tudo voltou a ser o que era antes. Só que agora aparecerá nas telas. O filme está previsto para estrear ainda em 2009, é o que informam os produtores. Quem quiser acompanhar mais das filmagens, mais detalhes, fotos e outras curiosidades dos bastidores de “Luz nas Trevas – A Revolta de Luz Vermelha” (tal como Fernando Meirelles fez no blog de “Ensaio Sobre a Cegueira / Blindness”), pode seguir aqui. A internet ajudando a divulgar o Cinema Brasileiro. É, os tempos são outros. Que bom.

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fotos: André Bogdan

(Ruy Jobim Neto)